Por: Luciano Reis
O assunto da margem de preferência para produto manufaturado e serviços nacionais não possuía previsão na redação originária da Lei nº 8.666/1993, porém foi acrescentado nela por intermédio da Medida Provisória nº 495/2010, posteriormente convertida em Lei nº 12.349/2010, e também pela Lei nº 13.146/2015. À época surgiram vários decretos regulamentadores, porém de pouca, ou quase nenhuma, aplicabilidade direta e prática para as contratações administrativas no Brasil.
Como já dito em outras oportunidades, o uso efetivo da margem de preferência deve ser acompanhado de uma política pública de direção e incentivo (fomento) à produção nacional, o que por óbvio reflete a postura ideológica dos governantes. Nesse sentido, percebe-se que nefastamente o tema por diversas vezes é acompanhado de dogmas não fundamentados em teorias, e sim em achismos a partir das bandeiras levantadas por cada grupo ou partido político.
Superado isso, no quadrante atual normativo brasileiro, a Lei nº 14.133/2021, conhecida como nova lei de licitações, normatizou um dever inafastável de as licitações, e estendo aqui para as contratações em geral, promoverem a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável, consoante se deduz do inciso IV do artigo 11. Desde já, é imperioso recordar que inexistem palavras vãs ou inúteis, mormente quando o texto normativo expressa de maneira clara, literal e cabal quais são os objetivos do processo da licitação e da contratação em si. Dito isso, assevero que sempre deverá ser incentivada e focada a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
O dever de perseguir e buscar a concretização do desenvolvimento nacional sustentável enseja a imperiosidade da sua decifração no tempo e na sociedade a ser aplicado, visto que a sua escorreita concepção é modificável.[1] Assim, e pela própria intelecção da nova lei de licitações, pode-se dizer que o desenvolvimento nacional sustentável é uma norma jurídica em suas espécies, regra e princípio jurídico.[2] Além de estar no suscitado artigo 11, também está elencado como princípio norteador no artigo 5º ao lado de outros inúmeros.
É justamente na regra e no princípio do desenvolvimento nacional sustentável que se pode consubstanciar em tese a margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, além de outros amparos normativos, inclusive na Constituição da República Federativa de 1988 e outras legislações infraconstitucionais. Ciente desse substrato, a questão a ser debatida e refletida com o Decreto Federal nº 11.890/2024, alterado pelo Decreto nº 12.218/2024, é se ele representa um avanço ou retrocesso para a sociedade brasileira.
O ESTADO DA ARTE DA MARGEM DE PREFERÊNCIA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
O artigo 26 da Lei nº 14.133/2021 estipulou que poderá ser fixada margem de preferência para dois objetivos, quais sejam: (i) bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e; (ii) bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. Compreende-se nos termos do artigo 6º, incisos XXXVI e XXXVII, serviço nacional como aquele serviço prestado em território nacional, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo federal e produto manufaturado nacional como o produto manufaturado produzido no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo federal.
Dita margem de preferência será definida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal e poderá ser de até 10% (dez por cento) sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem como bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e/ou bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis. O referido percentual poderá ser estendido a bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País previsto em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e ratificado pelo Presidente da República.
No tocante aos bens manufaturados nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Poder Executivo federal, a margem de preferência poderá ser de até 20% (vinte por cento), diferenciando-se da Lei nº 8.666 que trazia o percentual de até 25% (vinte e cinco por cento).
A margem de preferência não se aplica aos bens manufaturados nacionais e aos serviços nacionais se a capacidade de produção desses bens ou de prestação desses serviços no País for inferior à quantidade a ser adquirida ou contratada ou aos quantitativos fixados em razão do parcelamento do objeto, quando for o caso.
Pode-se dizer que essa avaliação será realizada pelo Poder Executivo Federal quando da mensuração e da escolha da margem de preferência de acordo com o objeto/setor. Também será sopesada pelo órgão ou entidade licitador quando da realização da fase preparatória (interna) da licitação, já que os estudos técnicos preliminares podem indicar potencial ofensa à competitividade e frustração da necessidade pública por previsão editalícia nesse sentido.
Está determinada a possibilidade de os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras, mediante prévia justificativa da autoridade competente, exigirem que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da Administração Pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal.
E, ainda, que o certame destinado à implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação considerados estratégicos em ato do Poder Executivo federal, poderá ser restrito a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País, produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176/2001.
Em que pese a novel legislação não disponha de uma periodicidade para a fixação
de margem de preferência e os fatores que deverão ser sopesados para a confecção desta política pública, entende-se que é natural de qualquer política pública a existência daqueles
fatores indicados na Lei nº 8.666,[3] bem como outros diversos quando da escolha de uma alternativa para executar, por exemplo, uma política pública de favorecimento de produtos
de tecnologia robótica ou nanotecnologia.
Ainda, considerando a competência legislativa sobre ciência, tecnologia e inovação, compreende-se que o regulamento do âmbito do executivo federal cinge-se à Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional. Não alcança necessariamente os demais entes, que poderão legislar de modo diverso, e os demais poderes e órgãos constitucionalmente autônomos. Discorre-se “necessariamente”, porque
nada impede deles adotarem por meio de ato administrativo formal o regulamento federal, inclusive isso foi ressaltado no Decreto Federal nº 11.890/2024 em seu artigo 3º, § 4º.[4]
Por fim, para fins de transparência e controle em geral, foi prescrito que a cada exercício financeiro deverá ser divulgada a relação de empresas favorecidas com a margem de preferência e indicação de volume de recursos destinados a cada uma delas,
sendo que essa medida parece superinteressante para aferir quem são os destinatários da política pública, como e quantos representam os demais players do setor no mercado.
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Créditos:
REIS, Luciano Elias. A (nova) margem de preferência para produtos e serviços nacionais e a proteção do mercado no Brasil. Zênite Fácil, categoria Doutrina, 23 abr. 2025. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 30/04/2025
Obs.: Os artigos assinados refletem a opinião do autor.